quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Por causa de uma professora

Por causa de uma professora

- Vamos menina, leia!
Engasgada com meu nervosismo, não saia uma palavra, tremia toda.
A régua de madeira batia forte em minha cabeça, junto o insulto:
- Sua burra, burra, leia! Está de castigo! Pode se ajoelhar no milho!
Os grãos ficavam no chão, no canto da sala. Eu ficava ajoelhada mais de uma hora.
- Está também sem recreio!
Então eu não podia comer meu pãozinho com omelete e beber minha limonada docinha, tinha que copiar da lousa: “Eu vou ficar burra se não estudar” (copiar 100 vezes e acabar em casa).
- Copiar 100 vezes!!!!!
Noutro dia barganhava:
- Mãe, deixa eu faltar? Lavo e passo as roupas, até chuleio para a senhora.
- Não, seu uniforme está pronto.
Vestida com o avental mais alvo que alma de criança e com o laço de fita, na cabeça, mais bonito que uma menina podia ter, ainda chorava:
- Mãe, deixa eu ficar?
- Está bem, mas só hoje!
Minha mãe, meu pai, minha professora, não sabiam que eu tinha medo do bairro novo, da escola nova, do caminho cheio de mato que podia esconder um homem com foice que decepava crianças, medo da professora... Naquele tempo, crianças com pânico eram chamadas de burras e preguiçosas. Naquele ano, tomei bomba.
No ano seguinte, meus pais me mudaram de escola. A professora, dona Lucia, era atenciosa. Meus medos sumiram, lia com entusiasmo e no final do ano, passei com a melhor nota da sala, até recitei na festinha.
Por causa desta professora também me tornei uma.
Um dia, lecionando numa quinta série, me deparei com um aluno que não conseguia ler, ficava muito nervoso, tremia todo. Durante o ano conversei muito com ele e seus pais. Sugeri a leitura, em casa, de alguns livrinhos: “O menino mais lindo do mundo”, “Zé Diferente”, “Um sorriso chamado Luís”, entre outros. Em sala, ele tinha liberdade de ler ou não em voz alta. Aos poucos ele perdeu o medo e começou a ler, uma frase, depois duas, até que com confiança leu um texto inteiro para a classe. Sua alegria foi o maior prêmio que recebi na minha vida de professora.
Hoje, Luís também é professor.

TEXTO ESCRITO POR DIRCE MARIA S. ALMEIDA E ESCOLHIDO PARA FAZER PARTE DO LIVRO: I PRÊMIO "SER AUTOR" 2010, PUBLICADO PELA CÂMARA BRASILEIRA DO LIVRO, EM PARCERIA COM  O GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO, SECRETARIA DA EDUCAÇÃO, COORDENAÇÃO FEITA PELA EQUIPE TÉCNICA DO CENTRO DE REFERÊNCIA EM EDUCAÇÃO MÁRIO COVAS-CRE.

Veja as fotos do lançamento do Livro "Ser Autor 2010" aqui.

4 comentários:

Daisy disse...

DIRCE! Esta sim é comemoração! Você, com Blog e tudo! PARABÉNS!
AMEI SEU TEXTO! Bjs Daisy

Arlete Fonseca de Andrade disse...

Que lindo texto querida Dirce. Parabéns!!! Sabe que aconteceu exatamente comigo mas a repressão que a professora utilizou foi com outros métodos.
Eu fui direto para o primeiro ano da escola com 6 anos. Não passei pelo pré primário. Aquele universo para mim era completamente estranho. Me sentia presa, enclausurada da minha liberdade e alegria de ficar em casa e brincar na rua. A professora chama-se Janete e ela era horrível. Tinha medo completo dela. Além de não me dar atenção e de não me ensinar a gostar da escola toda vez que eu desviava minha atenção dela ou até conversar com algum coleguinha me colocava de castigo e era ficar fora da classe em pé no corredor para todos que ali passavam visse que havia me comportado mal. Me sentia humilhada, perdida e triste. Tinha apenas 6 anos e nada sabia. Quando chegava a hora de ir pra escola eu chorava, enrolava e pedia para minha mãe e irmã deixar eu ficar. Falei para minha mãe, da maneira de uma criança, sobre os maus tratos, e ela foi na escola falar, mas nem deram atenção pra ela. Conclusão fui indo e faltando durante o ano até que repeti de ano. No seguinte a professora chamava-se Tia Alba e era o oposto da outra e aprendi com ela a ter o gosto de frequentar a escola e estudar. Acho que ela me salvou do trauma que a outra deixou em mim, mas não por completo, pois até hoje fico nervosa em ler em público. Tem coisas que marcam para sempre a vida da gente. Um beijo com carinho e parabéns novamente.

Arlete Fonseca de Andrade disse...

Publiquei no meu blog Produção de Ideias: http://producaodideias.blogspot.com.br/
Veja lá e convido a seguir tb. querida Dirce.
Bjo

kaique disse...

Vovó Dirce, minha flor, adorei o Blog! *--*